Quando o Futebol é um Assunto de Família

O futebol tem o poder de nos proporcionar algumas das mais belas e fascinantes histórias no mundo do desporto. Algumas delas, conquistam-nos de forma quase instantânea. Serge Atakayi e Sergei Eremenko são dois jovens, de 17 anos, do  FF Jaro, da Finlândia, que partilham o mesmo sonho – serem futebolistas profissionais – e uma grande amizade, mas com percursos de vida completamente distintos.

A guerra e o futebol

Serge Atakayi nasceu a 30 de Janeiro de 1999, em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, e com apenas 8 anos juntou-se ao AC Léopards de Dolisie. Em 2010, o clube enviou uma equipa de sub-11 em digressão pelo norte da Europa. A última paragem aconteceu na Finlândia, onde o clube participou na Helsinki Cup, o terceiro maior torneio de futebol jovem da Europa. O AC Léopards terminou na terceira posição e Atakayi sagrou-se o melhor marcador da competição.

Quando o torneio chegou ao fim, jogadores e equipa técnica dirigiram-se à esquadra de polícia mais próxima e requereram asilo no país. Passavam sete anos sobre o fim da Segunda Guerra do Congo, mas o país ainda se procurava recompor do conflito que vitimou mais de 5 milhões de pessoas. Atakayi instalou-se em Oravais, na região oeste do país, onde permaneceu até 2013, ano em que trocou a equipa local pelo Jaro.

Herança pesada

Sergei Eremenko nasceu em Vantaa, nas proximidades da capital Helsínquia, a 6 de Janeiro de 1999, e desde tenra idade aprendeu a lidar com a pressão mediática, em virtude das carreiras prestigiantes que tanto o seu pai, como os seus dois irmãos mais velhos construíram no mundo do futebol. O seu progenitor, Aleksei Yeryomenko, nasceu na antiga União Soviética, mas é na Finlândia que será para sempre recordado como uma das maiores figuras do campeonato nacional.

Depois de uma carreira bem-sucedida no seu país natal, que incluiu um terceiro lugar no Europeu de sub-18 em 1982, e um título de campeão nacional com o Spartak de Moscovo em 1987, Aleksei abandonou a União Soviética em 1990, quando esta começou a entrar em colapso. Então com 26 anos, o médio natural de Novocherkassk mudou-se com a sua mulher Nellia e os seus dois filhos – Aleksei Jr. e Roman – para Jakobstad, uma pequena cidade na costa oeste da Finlândia.

Depois de uma breve cedência ao OLS, da segunda divisão, Aleksei regressou ao Jaro para se afirmar no clube com maior expressão na cidade de Jakobstad. Em 1992, Aleksei era um dos indiscutíveis que lideraram o clube à final da Taça, e em 1996, participou naquela que seria a única experiência do Jaro nas provas europeias, na já extinta Taça Intertoto. Ainda assim, o ponto mais alto na sua passagem pelo clube chegaria na temporada seguinte, quando Aleksei foi eleito o melhor jogador do campeonato finlandês: a Veikkausliiga.

Atentos às suas exibições estavam os noruegueses do Tromsø, que partiram de imediato para a sua contratação. Porém, a experiência não lhe correu de feição, e um ano mais tarde, Aleksei, à beira de completar 35 primaveras, regressou à Finlândia para representar o HJK de Helsínquia, e foi precisamente nesta altura que nasceu Sergei, o último dos seus rebentos.

Durante quatro temporadas, Aleksei conquistou dois campeonatos e duas taças, e ainda teve oportunidade de jogar ao lado do seu filho mais velho, Aleksei Jr., a quem sempre fora reconhecido um talento acima da média. No entanto, o temperamento difícil e a sua falta de profissionalismo nunca lhe permitiram atingir o potencial que lhe auguravam. Três dias após completar 33 anos, já não se livra da fama de globetrotter, que as aventuras em Itália, Rússia, Ucrânia, Escócia ou Cazaquistão lhe valeram.

Em 2003, Aleksei Jr. estreou-se pela selecção principal da Finlândia com 20 anos, mas para o seu pai, de 39, ainda não era o momento certo para arrumar as botas. Assim, Aleksei Sr. regressou ao Jaro, do qual se despediria dois anos e meio mais tarde. Na terceira experiência ao serviço do clube, Aleksei Sr. partilharia o balneário com o segundo dos seus três filhos, e o elemento mais credenciado de toda a família, Roman – o melhor futebolista finlandês desde Jari Litmanen ou Sami Hyypiä.

Ao todo, o patriarca da família Eremenko disputou 360 jogos na Veikkausliiga – só seria ultrapassado por outros cinco jogadores – nos quais somou 64 golos, o último dos quais, a 25 de Setembro de 2004, e que valeu o recorde de goleador mais velho na história do campeonato finlandês, com 40 anos e 248 dias. O seu nome ficaria para sempre na história do Jaro, que decidiu retirar o número 14 em sua homenagem.

Em 2005, Roman foi capturado pela extensa rede de scouting da Udinese, e o seu pai rumou ao Jakobstads BK, o segundo clube da cidade, no qual acumularia as funções de jogador e treinador até 2009, ano em que pendurou definitivamente as chuteiras, com 45 anos de idade. Daí por diante, Aleksei Sr. assumiu o comando técnico do Jaro, cargo que ainda hoje mantém.

Sentimentos mistos

Desde que regressou à Veikkausliiga em 2002, após três anos de ausência, foram raras as ocasiões em que o Jaro conseguiu contrariar o rótulo de candidato à descida, e nem a chegada de Aleksei Sr. à equipa técnica veio inverter essa tendência. O melhor que este conseguiu foi um 5º lugar em 2010, a melhor classificação do clube em 14 anos, e logo na sua temporada de estreia, ao qual se seguiriam dois penúltimos e um antepenúltimo lugar.

Em 2015, o Jaro celebrou o seu 50º aniversário e a expectativa em torno da equipa era grande, depois da sexta posição alcançada na temporada transacta. No entanto, a saída de cinco habituais titulares e a lesão que retirou Jonas Emet – melhor marcador do campeonato na edição anterior – da equipa à 6ª jornada, foram obstáculos que o grupo não conseguiu ultrapassar.

Em Agosto, Aleksei Jr. acedeu ao convite do seu pai e regressou ao Jaro para ajudar a retirar a equipa da zona aflita da tabela. No entanto, apesar de todo o alvoroço que rodeou a sua contratação, o criativo de 32 anos não conseguiu fazer a diferença como em 2010, quando apontou 7 golos e anotou 10 assistências em apenas 16 jogos, naquela brilhante campanha que culminou com o 5º posto. Posto isto, o Jaro terminou na 12ª e última posição do campeonato e foi despromovido ao Ykkönen.

Forjador de talentos

Apesar de não ter alcançado a manutenção com o Jaro, Aleksei Sr. continua a ser umas das personalidades mais respeitadas no futebol finlandês. Prova disso, é a confiança que a federação depositou em si, no início deste ano, ao lhe confiar o cargo de seleccionador nacional de sub-18. Depois de uma carreira notável na Veikkausliiga, enquanto jogador, a sua reputação tem crescido imenso nos últimos anos, graças à sua capacidade para trabalhar e potenciar jovens talentos. Atakayi e o seu filho Sergei são apenas os seus mais recentes pupilos.

Em maio, Atakayi tornou-se no goleador mais jovem na história da Veikkausliiga – tinha 16 anos e 107 dias quando apontou o golo de honra na derrota por 2-1 ante o VPS. Já Sergei, que se tinha estreado pela equipa principal na temporada anterior, com 15 anos e 6 meses de idade, estreou-se a marcar em Julho, com 16 anos e 179 dias. Curiosamente, entre eles, no ranking dos goleadores mais jovens na Veikkausliiga, surge também um antigo jogador do Jaro, Simon Skrabb, que tinha 16 anos e 113 dias quando marcou o seu primeiro golo em maio de 2011.

Num país com tão pouca expressão futebolística como a Finlândia, não é estranho que as carreiras de Atakayi e Eremenko sejam monitorizadas desde muito cedo, sobretudo no segundo caso, dado o seu historial familiar. Mas toda esta pressão, em nada os beneficia, sobretudo em idades tão precoces. Lauri Dalla Valle e Jami Puustinnen que o digam. Outrora apontados como as futuras grandes promessas do futebol finlandês, nenhum deles conseguiu passar disso mesmo.

O novo Raheem Sterling

Se Sergei actua sobre a zona central, seguindo as pisadas do seu pai e irmãos, Atakayi joga preferencialmente sobre os corredores e destaca-se pela sua velocidade e poder de drible. Na Finlândia, é comparado ao internacional inglês Raheem Sterling. E é de Inglaterra que têm surgido os principais interessados na sua contratação. Atakayi já visitou o Fulham por quatro vezes, no entanto, desde que os Cottagers caíram para o Championship, nunca mais surgiu nenhum convite. Em Setembro, Atakayi viajou até Liége onde cumpriu um período experimental de duas semanas no Standard.

Apesar de estar na Finlândia desde 2010, Atakayi ainda não possui nacionalidade finlandesa, mas o seu sonho passa por representar o país que o acolheu aos 11 anos. As duas presenças que já soma pelos sub-15, em encontros de carácter particular com a Suécia, foram previamente acordadas entre os responsáveis das duas federações.

No verão, Atakayi receberá finalmente o passaporte finlandês, que lhe permitirá viajar de regresso ao seu país natal e assim rever a sua família, que ele não vê desde que partiu em 2010 rumo ao norte da Europa. A viagem está agendada para o Natal e foi oferecida por um grupo de 50 adeptos que fez questão de o surpreender durante um treino, após o seu primeiro golo pela equipa principal.

Novo ano, novos desafios

Despromovido ao segundo escalão, a missão de Aleksei Sr. passa por colocar o Jaro de novo na Veikkausliiga. O Ykkönen ainda não arrancou, mas a equipa já se estreou na Taça, onde acabou eliminada na 5ª eliminatória, pelo VPS, o seu maior rival. Na ronda anterior, o Jaro tinha afastado o Oulu (3-0), com o primeiro golo a pertencer a Sergei Eremenko, que alinhou de início, bem como Atakayi.

Já o elemento mais irreverente da família, Aleksei Jr., que não deixa de possuir um percurso de respeito na selecção – 14 golos em 57 internacionalizações – trocou o Jaro pelo SJK Seinäjoki, o novo campeão da Veikkausliiga. Embora já esteja na fase descendente da sua carreira, a sua experiência poderá ser muito valiosa nas eliminatórias de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): João Lains

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