Silêncio que hoje joga o Totti

Tenho saudades de ter ídolos. Às vezes dou por mim a pensar se não serei um ser estranho por não ter um ídolo na minha vida, uma pessoa por quem nutra uma admiração fora do comum, alguém que eu veja como um Deus de carne e osso. Digo que tenho saudades porque nem sempre foi assim. Lembro-me de ser um puto imberbe e aprender rapidamente a letra de cada música nova dos Offspring ou de ficar colado na TV sempre que Shaquille O’Neal pisava um campo de basket.

Num destes dias cheguei à triste conclusão de que não admiro ninguém com tanto vigor que me faça colecionar algo sobre essa pessoa ou seguir todos os seus passos. Tenho, como toda a gente, as minhas referências, mas não tenho ídolos. No futebol a coisa é mais ou menos assim. Gosto muito da perseverança do Cristiano, da atitude do Müller, do estilo de jogo do Marchisio, da postura do Hélton e da finesse do Matic. Aprecio vários outros jogadores, seja pela qualidade técnica, seja por traços vincados de personalidade. Mas não os admiro. Tenho saudades do Ronaldo (o melhor que vi jogar), do Henry, do Zizou e do Nesta. Eram estes os meus ídolos na tão importante fase de adolescência, quando a nossa personalidade é definida. Como sou portista, idolatrava Zahovic, Super Mário, o eterno Baía, Capucho, Ricardo Carvalho e, acima de todos os outros, Deco. Deco, sempre ele.

Apercebi-me então que todos os que idolatrava já tinham falecido para o futebol. Não quer dizer que viva o jogo de forma menos apaixonada por causa disso mas o que é facto é que não tenho ninguém a quem possa chamar ídolo. Todos já acabaram a carreira ou então estão nas Américas e portanto já não contam para o totobola. Todos menos um. Ainda resta um, um daqueles jogadores eternos por quem me “apaixonei” desde muito cedo e que por cá continua quase como se estivesse a começar agora. Falo de Il Pupone, Il Capitano, Francesco Totti.

Confesso que é difícil para mim falar deste jogador. Para além do F. C. Porto só há uma equipa por quem torço, a A. S. Roma, e a razão está encontrada: Totti. A equipa campeã da Serie A em 2001 era soberba: Batistuta era o goleador, Montella sempre um pesadelo para os defesas, Tommasi o pêndulo e Cafu o pulmão. Mas a estrela da equipa, aquele que punha a máquina em funcionamento e lhe dava um toque de magia era, sem dúvida, Francesco Totti, já na altura capitão de equipa (!). Mas o que tinha ele de tão especial? Dono de um feitio difícil (tem várias agressões e desentendimentos públicos no currículo), Totti passeava uma classe em campo como mais nenhum outro jogador no Mundo: de meias até ao tornozelo e olhar fulminante detinha um remate capaz de pôr em sentido o mais corajoso dos guarda-redes. Mais de uma década depois desse título inesquecível Totti continua o mesmo: irreverente, problemático por vezes, é um excelente marcador de bolas paradas – é daqueles que mete mesmo a bola onde quer –, com uma apetência grande para marcar golos e, essencialmente, um dos últimos exemplos do que é ser um número 10, ele que até já jogou a 9 e nas alas, principalmente no início da carreira. Mas o que faz de Totti um jogador mais especial do que qualquer outro à face da Terra é a sua paixão pelo jogo e pela sua equipa de sempre. No fundo, ele só quer divertir-se a jogar à bola no seu clube do coração. Quem não se lembra de um dia ter dito, alto e bom som “Para mim, ganhar um título na Roma significa mais do que se ganhasse 10 no Real Madrid ou na Juventus”? Apesar de já ter sido, discutivelmente, o melhor jogador do mundo e de estar há largos anos com um nível competitivo altíssimo, Il Capitano ganhou apenas 5 títulos pela A. S. Roma: 1 campeonato, 2 Taças de Itália e 2 Supertaças, manifestamente pouco, muito pouco para o que ele merecia. Muitos acharão que lhe falta ambição, já que todos os verões recusa propostas milionárias de clubes maiores e com outras aspirações (o Real Madrid é um clássico). Clubes que, mais do que dinheiro (não sejamos ingénuos, a A. S. Roma sempre pagou muito bem para ter o maestro na equipa) poderiam dar-lhe uma projeção maior. E é aqui que eu queria centrar-me: acho que Totti foi sempre um jogador desvalorizado, nunca tendo, incompreensivelmente, atingido grandes níveis de popularidade fora de Itália.

Talvez poucos saberão mas Francesco Totti é o segundo melhor marcador de sempre da Serie A, foi Bota de Ouro em 2007 e esteve na lista dos melhores jogadores tanto do Euro 2000 (finalista) como do Mundial 2006 (vencedor). Das raras vezes em Pelé e Maradona concordaram foi para afirmarem que Totti era o “the world’s number 1”. É natural que isto passe ao lado de muitos adeptos de futebol, exatamente porque nunca se deu o devido crédito ao ídolo romano. É interessante ver algumas palavras que alguns históricos do futebol já dedicaram a Totti:
“There are many star players in Italy, but the only one I would bring to Bayern Munich would be Totti. I know him well and he deserves to win the Ballon d'Or”. Franz Beckenbauer.
“Totti is better than Baggio and Del Piero, even better than me”. Gianni Rivera.
“Francesco Totti has probably been the best player in the last decade. His skills, ability, physical strength and intelligence on the pitch made him a symbol for Roma and the whole of Italian football”. Paolo Rossi.
“Totti is the monument of Italian football”. Marcello Lippi.
“For me, he is one of the greatest players I have ever seen”. Arrico Sacchi.
“Every player has some genius, but there's only one Van Gogh, and there is nobody like Totti”. Giovanni Trapattoni.
“Who are the best five Italian players? Totti, Totti, Totti, Totti, Totti”. Zdeněk Zeman.

Podia continuar mas por aqui já dá para termos uma ideia do respeito que Totti conquistou no mundo do futebol. Há quem o apelide de “Último Romântico do Futebol”, pois jurou desde cedo fidelidade ao seu clube de menino e a verdade é que (por agora) cumpriu.

Hoje, quando entrar em campo, Totti vai cumprir o seu 708º jogo oficial pela A. S. Roma. Para muitos vai ser a oportunidade de ver os reforços Szczenny, Salah e Edin Dzeko (bem vindo, craque!); para mim vai ser simplesmente mais uma oportunidade de ver o que resta de um dos meus grandes ídolos de infância. A 1 mês de fazer 39 anos Francesco Totti carrega a mística do clube, é “dono” do balneário e ainda é muito importante na manobra ofensiva da equipa. Um craque será sempre um craque e Totti é um dos maiores da História do Futebol.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Pedro Coutinho

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