Ano I DJ

Não foram dez dias que abalaram o mundo, mas foi um dia que abalou o futebol português. O golpe aplicado pelo Sporting, com a contratação de Jorge Jesus, irá mudar o panorama do futebol luso, não só porque os leões ficam com um treinador titulado e experiente, algo que há muito não possuíam, mas principalmente porque, ao contrário do que acontecera no passado recente, mostra ter capacidade financeira e negocial para se bater com os rivais directos nas questões de mercado. Mas esta aquisição, pesem as interrogações acerca da estrutura e da estratégia, tem um significado claro: para o Sporting, não há projecto ou metas a longo prazo, o único objectivo é vencer agora, pois ninguém investe desta maneira num treinador se não for para obter resultados imediatos. Portanto, se o reinado de Jardim foi o ano zero, e o de Marco Silva o zero mais qualquer coisinha, o dia 1 de Julho será relembrado pelos adeptos leoninos como o ano I Depois de Jesus. Mas o que podemos esperar desta nova era? A esta distância, tudo o que seja dito ou escrito não passará de mera especulação, mas é inegável que todos esperam algumas mudanças na estrutura do Sporting. A começar pela postura do seu presidente, que fica obrigado a um papel menos interventivo, tanto ao nível das decisões como ao nível da motivação via redes sociais. Conhecendo Jesus, é pouco credível que este aceite que seja a Direcção a montar o plantel sem o seu aval. E muito menos que alguém o "obrigue" ou sequer "aconselhe" a usar o Zé ou o Manel. E quanto a raspanetes aos jogadores, Jesus sente-se mais que habilitado a dá-los, sem que para tal tenha de recorrer às novas tecnologias. Segundo consta, Jesus já exigiu a manutenção, e regresso, de alguns elementos que considera indispensáveis ao seu projecto, pelo que se havia ideias de dispensar ou vender certos jogadores, elas devem ficar bem arrumadinhas a um canto, e sem amuos. Por outro lado, a haver reforços, estes não serão impostos ao treinador, como acontecera com Marco Silva, sendo por outro lado curioso saber o que pensa Jesus fazer com muitos daqueles que foram comprados, e raramente ou nunca usados. Tendo Jesus três anos de contrato, caso ele coloque certos elementos de lado (e não serão poucos), o mais certo é o Sporting precisar de uma vassoura tamanho XL para varrer o balneário, pois se o treinador não contar com certas peças, não serão conferências de imprensa que o farão mudar de ideias. Claro que Bruno de Carvalho pode sempre incompatibilizar-se com Jesus a certo ponto da sua relação, mas dificilmente resistiria a mais uma novela ao melhor estilo Ze Eduardo, primeiro porque este treinador tem um cartel que Marco Silva não possuía, e em segundo porque os valores monetários envolvidos são demasiado elevados para colocar numa roleta, sendo que os investidores e accionistas podem não achar grande piada a mais um despedimento sumário. O outro ponto que deve mudar no universo sportinguista é a estratégia seguida até agora, que passou por prospecção em mercados secundários e aquisição de jogadores jovens e baratos. Ora se a ideia é vencer agora, é essencial que os reforços, que podem nem ser tantos como isso, sejam jogadores maduros, para além de competentes. Não é à toa que o nome de Maxi Pereira veio à baila, pois não obstante as suas características tecnico-disciplinares, é um jogador com enorme experiência, tanto no futebol português, como no internacional. Este Verão dificilmente aterrarão em Alvalade Gaulds ou Tanakas, e não surpreenderá ninguém que apareçam antes um Jonas ou um Júlio César. Por último, a grande questão que atormenta os cépticos de Jesus, a do papel reservado à Academia? Jesus tem fama de não apostar nos jovens da casa, assim o foi no Benfica, e é factual que privilegia a experiência. Mas esta aversão à juventude pode nem estar relacionada com a data de nascimento, ou sequer nacionalidade, mas sim com o facto dos canteranos disponíveis não corresponderem ao perfil que Jesus defende para a sua estratégia de jogo. Ele prefere jogadores com estampa física para determinadas posições (curioso como terá já pedido Labyad, que se encaixa na descrição), e por mais talento que um atleta tenha, se não preencher certos requisitos, é natural que seja posto de parte. À partida, jogadores como Iuri ou Gauld, por mais pezinhos que possuam, partem imediatamente em desvantagem, isto se tiverem sequer alguma chance. Já jogadores de alta rotação, venham da B ou dos juniores, é natural que tenham tempo de jogo e se tornem opções. Mas de facto, este é o grande ponto de interrogação acerca do acordo entre treinador e clube: existirá alguma obrigatoriedade de usar jogadores da formação. Mais ainda, até que ponto não irá Jesus, que pediu plenos poderes sobre o futebol, usar a própria equipa B como seu laboratório pessoal, de modo a criar jogadores à sua imagem? O problema é que o propalado projecto assenta na formação de jovens jogadores, e na sua valorização desportiva, com respectivo retorno monetário, isto em contraponto com a estratégia de compra e venda de jogadores, com obtenção de resultados desportivos e mais-valias financeiras pelo meio. Para concretizar esse projecto, o aproveitamento dos jogadores formados em Alvalade é condição indispensável, e por essa mesma razão, o clube não pode desperdiçar o enorme capital humano e a própria imagem de marca, mesmo que tal signifique uma evolução mais lenta da equipa. Isto significa que terá de existir um equilíbrio entre os resultados no presente e a aposta no futuro, e portanto, Jorge Jesus terá também ele de mostrar a polivalência de um Almeida, e adaptar-se ao (suposto) projecto do Sporting.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Nuno Ranito

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