"David Silva do Seixal" ou o elogio da diferença

Alex Ferguson recorda, na sua autobiografia, as cinzentas manhãs de Glasgow nas quais ia fazer observação de jovens talentos. Diz o lendário treinador escocês que aquelas missões ficavam justificadas se conseguisse detectar um jogador “diferente”. Um daqueles que, desde tenras idades, mal se vê num campo de futebol salta à vista, mostra um toque adicional de qualidade, seja por possuir condições físicas invulgares ou por uma especial destreza técnica.

Este tipo de jogadores podem equiparar-se aos grande pintores ou músicos: possuem o “factor X”, um elemento adicional que os afasta dos demais, tornando-os génios. Ora, o pior que se pode fazer a um génio é enjaulá-lo. Aprisioná-lo. Fazê-lo seguir por padrões e cânones. Isto porque eles criam as suas concepções, reinventam soluções, inovam e, em suma, criam.

Vem isto a propósito de Bernardo Silva. O “David Silva” do Seixal pode não chegar ao topo do futebol mundial (nunca se pode garantir isso duma promessa), mas é inegável que isso não acontecerá por falta de talento. Bernardo é o elogio da diferença: um jogador baixo e franzino numa era em que cada vez mais se valoriza o porte físico; é a assistência, o passe num tempo de hiper-valorização das cifras goleadoras; é a finta pura, a “gambeta” tão popular na América do Sul. E isto é tudo tão evidente que ninguém tem de viver 10 vezes para o presenciar.

Jesus tem um modelo de jogo definido. Um padrão em que se fotocopiam as funções dos diferentes jogadores que por ele vão passando. O 6 de JJ tem de ser rigoroso posicionalmente, alto e “conhecer muito bem as ideias da equipa”, o 8 tem de ser veloz e intenso (um Enzo ou Ramires), não havendo, desde Aimar, espaço para um verdadeiro 10, que imprima pausa e pensamento no jogo, mas sim para um segundo avançado, para um Rodrigo (função na qual JJ está a tentar potenciar Talisca).

Como é impossível que o treinador não veja o talento do agora jogador do Mónaco, a única explicação para nunca ter apostado nele é a falta de espaço neste jogar benfiquista, por não se enquadrar nem na função de Enzo, nem na de Rodrigo/Talisca, bem como por nunca ter tentado com Bernardo uma solução semelhante à de Gaitán, partindo da ala. Como dissemos acima, o talento puro não pode ter algemas. Não pode estar amarrado. Não pode ser padronizado. A padronização de Jesus falhou com Bernardo. Ou Bernardo não se adaptou a ela. É igual. O Benfica desperdiçou um elemento diferente, invulgar, daqueles que não cabem em linhas de montagem industriais. Veremos quais são as consequências.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Pedro Barata

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