Tapar o mal com "vitórias"

Haverá poucos portugueses que se importariam de ganhar o Europeu só com empates. Todas as críticas cairão em esquecimento se Portugal conquistar pela primeira vez uma grande competição. Esses críticos passarão a ser simplesmente "traidores" da pátria.

"Se ganhou, é porque mereceu". Não é raro ouvir-se esta afirmação no mundo do futebol, sobretudo em Portugal, mas é apenas um sinal da cultura de resultados que continua a prevalecer.

Sim, é importante ganhar títulos. Num país que nunca ganhou nada, tem importância redobrada. Mas o futebol nem sempre guarda lugar para os campeões. A Holanda de 74 e o Brasil de 82, sem troféu, ainda hoje são vistas como duas das melhores selecções de sempre. Por outro lado, à excepção dos portugueses ninguém se vai lembrar de três jogadores da Grécia que foram campeões europeus em 2004.

É preciso perceber o que este percurso significa. Desde logo, a permanência de Fernando Santos. Talvez os santos continuem a abençoar Portugal e não seja necessário ganhar jogos para fazer boas campanhas nas grandes competições. Talvez as individualidades cheguem para resolver jogos. Se todos os talvez nos sorrirem, é possível.

Tem sido assim neste Europeu. As circunstâncias do acaso - e como elas contam no futebol actual - permitiram que Portugal chegasse a esta fase. Mais do que um mérito muito superior ao de outras selecções, foi a aleatoriedade do jogo a determinar que a equipa de Fernando Santos estivesse nas meias-finais sem ganhar um jogo nos 90 minutos.

Mais do que jogar este ou aquele jogador, importa definir o rumo que se quer para o futebol em Portugal. Não será certamente uma selecção que abdica de procurar a vitória contra uma modesta Hungria. Não será, definitivamente, uma equipa que vê a bola como um objecto que queima os pés; que sacrifica quase todos os talentos que tem à disposição. Pergunte-se ao engenheiro para que levou Rafa. Já agora, questione-se a opção de retirar João Mário e Renato do corredor central.

Uma esmagadora maioria não sabe o que quer, porque apenas quer vitórias. Mas é preciso ter a noção de que, assim, Portugal tão rápido é campeão europeu como volta a ser eliminado na fase de grupos do Mundial.

O futebol é mesmo assim. Todos os que odiaram a Grécia por nos roubar o título daquela maneira estão a delirar com a possibilidade de chegar ao título europeu. A alegria do momento vai toldar a capacidade de ver mais além.

Já pensando no futuro, fica o pedido: devolvam a equipa que "joga à bola" em vez de "jogar futebol". Isto não é o nosso futebol.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): T. Cunha

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