Stranger than Fiction

Underdog: “in a competition, the person or team considered to be the weakest and the least likely to win

Rocky Balboa, o “pai” dos underdogs, ensina-nos que com dedicação, esforço e vontade tudo é possível – até sair do anonimato para defrontar, com sucesso, o campeão mundial de boxe. Enquanto vemos o filme, esquecemo-nos do quão inverosímil a história é – afinal, qual a probabilidade de, aos 30 anos, um absoluto amador suportar 12 rounds com o campeão? Ou de derrotar uma “máquina” russa de destruição? - e, sem nos apercebermos, apoiamos o herói, simplesmente porque ele nos faz acreditar que os sonhos se podem concretizar, por mais irrealistas que sejam. Mas, ao sairmos das salas de cinema, encaramos uma realidade bem diferente, onde os fortes aumentam o poderio e os fracos tentam sobreviver. É assim em tudo – e o desporto não é exceção. Só que...

Por vezes, a “lei do mais forte” quebra-se. Quer por presunção dele, quer pela tremenda dedicação do outro, a verdade é que em determinadas ocasiões testemunhamos feitos impossíveis de narrar, tão impressionantes e surreais que pensamos que nem o mais idealista dos realizadores era capaz de o transpôr para o “grande ecrã”. E vemos um Nottingham Forrest a vencer a Liga Inglesa no ano em que é promovido da Segunda e a sagrar-se bicampeão europeu nas duas temporadas subsequentes; o Kaiserlautern conquistar a Bundesliga na época em que sobe de divisão; a Dinamarca beneficiar de uma guerra civil para se apurar e vencer um Campeonato da Europa; um Calais, equipa das divisões amadoras francesas, atingir a final da Taça; um FC Porto trazer para casa a Champions League numa fase em que o dinheiro já era o elemento mais importante; um Atlético de Madrid superar os poderosíssimos Real Madrid e Barcelona e ainda atingir a final da UCL. Hoje, vemos, ainda em choque, o Leicester ultrapassar 19 clubes para conquistar uma Premier League inédita.

Ainda a temporada não começara e já muitos apontavam os “Foxes” à despromoção. A aposta num técnico longe de reunir consenso e que vinha de uma experiência catastrófica no comando da seleção grega (demissão após 4 partidas) não augurava bom futuro para um conjunto que se debatia para estabilizar no principal campeonato inglês. Além do mais, o plantel, embora contasse com jogadores interessantes, não podia ser comparado com os melhores emblemas britânicos. Porém, graças a um percurso a todos os níveis extraordinário, marcado por uma coesão, organização e união totais, o Leicester foi capaz de superar os obstáculos espinhosos que foram surgindo, conquistando os três pontos em terrenos míticos como White Hart Lane, Goodison Park e o Etihad. Repentinamente, atletas medianos superaram-se, atingindo números e exibições brutais, que ninguém prognosticaria. Vardy, que há 6 temporadas definhava em provas amadoras, bateu o recorde de golos marcados em jornadas consecutivas e foi considerado o jogador do ano; Mahrez, com uma capacidade de desequilíbrio ímpar, foi essencial; Kanté foi o dínamo incansável; Drinkwater deu segurança e frieza. Contudo, o verdadeiro segredo foi a força do coletivo – um esforço e um objetivo comum que, com o passar do tempo, se foi configurando e alterando de escapar à despromoção para ser campeão. Como cúmulo, o timoneiro, que nunca conseguira vencer um título de campeão nacional em clubes reputados (após passagem por Napoli, Fiorentina, Valencia, Chelsea, Juventus, Roma e Inter), é bem sucedido no modesto Leicester. Havia modo de tornar este “conto de fadas” mais perfeito?

Nas ruas de Leicester, na casa do Vardy ou em qualquer outro lugar, quase todos festejaram o empate do Tottenham em Stamford Bridge. E porque não? São momentos destes que nos fazem vibrar intensamente, nos fazem sonhar, acreditar que, por vezes, os underdogs podem perfeitamente destronar os mais poderosos. Numa conjugação incrível de mérito próprio (do técnico ao plantel), de erros de outrém (Chelsea, Arsenal, Manchester City e Manchester United desiludiram) e de superação inqualificável, os “Foxes” alcançam aquele que é, quiçá, o maior feito futebolístico do século. Na próxima época, com o ainda maior apetrechamento da Premier League, a tendência natural é para este até agora “invisível” emblema recuar para o meio da tabela. Contudo, independentemente do que vier a suceder no futuro, este feito já ninguém o retira – nem o contentamento que providenciou.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): António Hess

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