Épico! Leicester vence a Premier League

Terminou como qualquer história de embalar - prevaleceu o final feliz; o trabalho e dedicação sobressaíram-se sobre o dinheiro. Com o empate do Tottenham no terreno do Chelsea (2-2, com Cahill e Hazard a responderam aos golos de Kane e Son), o Leicester City sagrou-se campeão inglês pela primeira vez na sua história, já centenária. As raposas conquistam assim o campeonato mais mediático do mundo, batendo uma legião de clubes que se apresentava com maiores pretensões de chegar ao topo: Chelsea, Manchester City, Arsenal, Manchester United, Tottenham, Liverpool, Southampton, Stoke City, Everton e Newcastle. Todos, sem exceção, gastaram – uns mais do que outros -, prometeram e falharam.

Este bem pode ser um conto de fadas, mas o protagonista-mor era um patinho-feio. Claudio Ranieri nunca havia excitado ninguém: o seu futebol dificilmente se enquadrava nos parâmetros dos mais exigentes e nunca conquistara um título nacional, capaz de rebater as críticas. Antes de aterrar na 11.ª maior cidade de Inglaterra, falhara por completo o objetivo de levar a Grécia ao Europeu, pelo que a sua contratação foi reprovada por mais de 90% da comunidade desportiva. No entanto, os treinadores de bancada nunca deixarão de ser isso mesmo. Dentro de campo, o italiano, nunca abdicando do seu estilo de contenção, privilegiando as transições rápidas e, numa fase mais adiantada, cristalizando a forma de defender dos seus meninos, raramente encontrou antídoto: Arsene Wenger venceu-o por duas vezes mas falhou em locais proibidos; Jurgen Klopp estragou-lhe o Boxing Day apenas para alguns dias depois ser possuído pela fúria de Vardy. Além de demonstrar uma enorme clarividência tática – apenas uma grande injustiça impedi-lo-á de ser distinguido como “treinador do ano” -, Ranieri provou ser um exímio gestor de recursos humanos. Potenciou os seus jogadores no relvado e nunca os fez perder o foco emocional durante a campanha. Nas conferências de imprensa, vimos o homem humilde que poucos conheciam, reiterando constantemente que a sua alegria é acima de tudo a alegria dos adeptos.

Um campeão histórico, surpreendente, memorável, e não só. O MVP da Premier League, Ryad Mahrez, custou meio milhão de euros. O reforço mais caro, Shinji Okazaki, “apenas” 11 milhões. Jamie Vardy, que luta atualmente pelo título de melhor marcador do campeonato, chegou por pouca mais de 1 milhão e Kanté, que ainda deve estar correr, não atingiu sequer a marca dos 10 milhões apesar da boa época no Caen. Ao todo, vislumbramos uma soma lisonjeira para aquilo que é a realidade em que o clube está inserido. Mesmo com a valorização dos seus ativos no decorrer da época, o Leicester, o campeão mais barato das cinco principais Ligas, nem sequer entra na primeira metade de uma tabela referente ao valor de mercado de cada conjunto, o que enaltece ainda mais o trabalho do seu treinador. Um homem experiente, à imagem do seu elenco. Numa altura em que facilmente nos dá gozo ver equipas a espalhar juventude – como é o caso dos Spurs, por exemplo – ou que tem na qualidade da sua Academia uma das suas imagens de marca, os Foxes mostraram que velhos - nome muitas vezes utilizado para descrever um jogador a rondar os 30 anos - são os trapos. Uma prova inequívoca de que qualquer fase da vida pode ser propícia ao atingir do pico exibicional com a vantagem de a ansiedade, desconfiança serem obstáculos cada vez mais fáceis de superar. Ainda para mais, estando inserido num coletivo forte.

E o amanhã? Amanhã é dia de festejar. De preferência, com toda a pompa e circunstância. À grande e à inglesa. Se assistimos a um Once In a Lifetime Moment ninguém sabe, mas não restam quaisquer dúvidas de que será difícil repetir tal efeito nos próximos anos. A menos que o Leicester se consiga estabelecer no topo, tal como o Atlético se passou a equiparar com Barcelona e Real Madrid em Espanha, mesmo que se tratando de distintas realidades. Manter as linhas de sucesso pressupões manter a base de um plantel, com Claudio Ranieri à cabeça. Com as receitas provenientes de Premier League e Champions e uma visão de mercado assertiva, será possível contratar reforços cirúrgicos, capazes de manter o clube neste patamar. A identidade, entretanto refinada nesta segunda volta, é para ser mantida, embora uma ou outra afinação, agora que o efeito-surpresa deixou de existir, seja necessária.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Marco Rodrigues

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