A seca e o futuro

Futebol é o momento. A velha máxima, que vem guiando o desporto-rei ao longo de décadas, já causou a sua quota-parte de desditas, alienações, surpresas e injustiças sem, contudo, perder a essência e, caminhando lado a lado com “a última imagem é a que fica”, tende a garantir a fama e a prosperação aos intervenientes... mas por pouco tempo, a menos que haja capacidade para perpetuar o estado de graça, manter o “status quo” algo que, numa modalidade tão imprevisível como aquela sobre a qual este texto versa, é tarefa hercúlea. Porém, e como “difícil” não é sinónimo de “impossível”, alguns casos houve em que os clubes conseguiram superar a evolução dos tempos e, com uma reinventação sustentada (ou, diametralmente, com o peso do dinheiro), mantiveram-se no topo por largos anos. Num contexto nacional e recente, o triunfo do FC Porto é o mais exemplificativo.

O Antes
A história é conhecida: antes de Pinto da Costa assumir a presidência dos “dragões”, estes haviam vencido 7 campeonatos nacionais, 4 taças de Portugal e 1 supertaça; desde então, somaram ao palmarés mais 20 Ligas, 12 taças, 19 supertaças, isto a nível português, juntando ainda 2 Champions, 2 Taça UEFA/Liga Europa, 2 Taças Intercontinentais e 1 Supertaça Europeia alterando, como tal, por completo o paradigma do futebol luso. Durante anos, os “azuis e brancos” controlaram dentro e fora dos relvados, exibindo o seu poderio em todos os quadrantes: vitórias sucessivas, contratação dos jogadores mais apetecíveis, orientação técnica da mais elevada qualidade e, claro está, uma direção fortíssima, criando a sensação de que o domínio seria eterno. E porque não haveria de ser? Afinal, as temporadas avançavam, novas vinham, atletas eram transferidos, treinadores abandonavam o comando, mas os portistas continuavam a vencer com a mesma tranquilidade de sempre; tudo se poderia alterar, exceto um “pormaior”: o presidente mantinha-se, inabalável. E isso oferecia uma segurança que nada nem ninguém mais poderia dar.

O Agora
No verão de 2013 Pinto da Costa cometeu três enormes erros que, conjugados, se revelaram fatais. Em primeiro lugar, demonstrou pouca vontade na continuação do técnico principal, que se sagrara bicampeão nacional (tri, se considerarmos o período como adjunto), acabando por perdê-lo (Vítor Pereira alcançou ainda os “oitavos” da liga milionária por uma ocasião). Depois, apostou num comandante nitidamente inexperiente, Paulo Fonseca que, apesar do excecional trabalho que desempenhara no Paços de Ferreira, há duas épocas batalhava na Segunda Liga. Por último, formou um plantel um pouco em modo “low cost” (houve um desinvestimento em relação aos anos transatos, aliando-se à venda de ativos importantíssimos), obrigando PF a alinhar, em muitas ocasiões, com elementos como Ricardo Pereira, Carlos Eduardo, Licá e Ghilas, jogadores que, como o timoneiro, requeriam adaptação a níveis de competição tão elevados. Em março, o presidente reconheceu, finalmente, o erro de “casting”, demitindo o agora técnico do Sporting de Braga, mas a temporada estava irremediavelmente perdida (embora Luis Castro tenha tidos culpas no cartório nos dois desaires ante o Benfica, nas taças).

Para 2014/15, aguardava-se uma resposta cabal do FC Porto, para retomar as vitórias nacionais e a hegemonia que começava a escapar. No entanto, as decisões voltaram a não ser as mais corretas. É certo que existiu uma clara intenção de melhorar o elenco disponível (nomes como Brahimi, Casemiro, Martins Indi e Adrián López auspiciavam grande futuro, enquanto a manutenção de Alex Sandro, Danilo e Jackson era vista como fulcral), mas o recurso, de novo, a um treinador sem “bagagem” (foi a estreia de Lopetegui a treinar numa primeira divisão) “sabotou” a temporada. Como resultado, mais um ano a “seco”, com o FC Porto, unanimemente considerada a equipa com melhor valia individual, a quedar-se em segundo lugar no campeonato, a ser eliminado, em casa, pelo Sporting da taça, de nada valendo a boa prestação europeia (derrota nos “quartos” com o Bayern de Munique). Terá sido, de resto, a última campanha enunciada a que permitiu a Lopetegui manter-se no Dragão e, para esta época, tudo apontava para o retorno às grandes conquistas.

Puxando o “rolo atrás”, o filme foi muito semelhante: reforço portentoso do plantel (se bem que saíram “craques” de créditos firmados), objetivo de vencer tudo, contestação ao treinador e zero títulos. Pode-se argumentar que o conjunto azul e branco surgia com menor qualidade que o da época transata, e tal visão é aceitável (perda de dois laterais fantásticos e do melhor marcador). Contudo, exigia-se, ainda assim, um domínio sobre os rivais, ainda para mais tendo em conta as polémicas que os rodearam e a “entrada em falso” de um deles. Em janeiro, ninguém se surpreendeu com o despedimento do basco, que fracassara por completo (eliminação na fase de grupos da UCL, aos pés do Dínamo de Kiev, má posição na Liga, situação difícil na Taça da Liga), havendo muitos a considerar que a saída foi atrasada seis meses. Certo é que o antigo técnico das seleções jovens espanholas não apreciou a saída mas o seu sucessor não fez melhor. José Peseiro encarou um FC Porto atípico, onde não se avistava qualidade para almejar vitórias poderosas (o mercado de janeiro roçou o ridículo, nomeadamente no que concerne aos defesas centrais). Ainda assim, esperava-se uma trajetória mais consistente, com triunfo final no Jamor, mas tal intenção não foi concretizada, aumentando o jejum para 3 anos (na prática serão quase 4, pois a decisão dos títulos da próxima temporada, em princípio, apenas acontecerá na reta final).

O Futuro
Numa fase de reflexão, haverá muita matéria para Pinto da Costa pensar. Outrora reconhecido pelas apostas acertadas em treinadores (raramente falhava), os últimos 4 escolhidos não corresponderam à grandeza do clube. A verdade é que é a maior “seca” da sua era e as analogias com o passado (no último período em que esteve tanto tempo sem triunfar recuperou extraordinariamente, encetando provavelmente o melhor período da história do emblema) são perigosas e enganadoras, pois atualmente os portistas têm dois rivais muito fortes que partirão, teoricamente, favoritos para o seguinte campeonato (Benfica procura o tetra, sendo que Rui Vitória ainda sentirá que tem algo a provar; Sporting, e Jorge Jesus, necessitam urgentemente do título que escapa há quase 15 anos). E o pior de tudo ainda está por referir: a base. O FC Porto que conquistou tudo o humanamente possível tinha uma base bem vincada, apoiada na “raça”, na crença, na “alma”, criando uma arquétipo de atleta: o “jogador à Porto”. Hoje em dia, quer por desatenção, quer por adormecimento, quer por incapacidade de projetar novos produtos da formação (que têm no ADN tais características), a verdade é que os “dragões” perderam essa aura, e as referências no balneário escasseiam (quando um dos maiores exemplos do acima mencionado é um antigo jogador do Benfica e um dos capitães abandonou a equipa do modo como se sabe...), facilitando o surgimento de problemas e de desunião no grupo (noutros tempos dificilmente Brahimi viria a público “pedir” a Premier League).

Porém, nem todas as notícias são horríveis. A equipa B dos “dragões” venceu a Segunda Liga, apoiada num elenco jovem que aprende, desde cedo, o que significa jogar com as cores azuis e brancas. Além do mais, a final da taça lançou um herói provável: André Silva. Além do bis, demonstrou uma interessante habilidade de liderança, mobilidade, esforço contínuo e capacidade de ser uma referência, dentro e fora das quatro linhas. Juntando o avançado a Rúben Neves, André André, Sérgio Oliveira, Josué e Danilo (estes parecem ter condições para ficar no plantel), pode começar a formar-se um grupo coeso, que poderá modelar a tal base que faltou nos derradeiros três anos. Contudo, há um novo “mas”. Seguir o paradigma de arriscar maioritariamente na formação e em talentos portugueses poderá reavivar a era Paulo Fonseca, e Pinto da Costa pretenderá evitar isso. Por outro lado, o “all in” efetuado nos dois últimos anos também não surtiu qualquer efeito positivo, pelo que se prevê um debate profundo no seio da administração portista.

Parece óbvio que a chegada de um técnico que garanta títulos no imediato é imprescindível. José Peseiro, embora tenha reiterado que já está a preparar a próxima época, é neste momento um problema e não uma solução, pelo que será uma questão de tempo até ser anunciada a sua saída. Quanto ao substituto, as opções apresentadas pelos jornais da especialidade até são muitas, mas poucas convencerão, pelo que sujeitar-se ao risco de contratar um “novo Lopetegui” (parca experiência, discurso incipiente, resultados insuficientes) poderá condenar, ainda na pré-época, o ano do “dragão”. Independentemente de quem vier a comandar as hostes portistas, há um nome que não pode ser colocado de parte: André Silva. Os dois golos apontados aos bracarenses despoletaram uma tremenda satisfação nos adeptos azuis e brancos (e em todos, em geral, tal é a ânsia de descobrir finalmente um ponta de lança que assuma a titularidade na seleção), que exigirão a sua integração na próxima época. A questão é: como primeira ou segunda opção? Não contestando o valor do atleta de 20 anos, nos 14 jogos que disputou na equipa principal não foi além dos 3 tentos, um número curto que poderia ter sido aumentado caso tivesse tido oportunidades numa fase mais inicial (houve preferência por Osvaldo). Este registo poderá fazer com que PdC avance no mercado por um atacante goleador (preparar 2016/17 com Aboubakar, Suk e A. Silva não é animador) algo que, embora possa retirar a titularidade absoluta ao português, até o deve ajudar a crescer pois, sem a pressão de ser o “9”, a quem se pede golos em catadupa, poderá evoluir, na “sombra” e, mais tarde, assumir de vez o lugar (Kléber em 2011/12 substitui Falcao sem estar preparado para tal e isso prejudicou a sua carreira).

A situação atual no Dragão está muito longe de agradar aos apoiantes de um conjunto que dominou o futebol luso nas derradeiras três décadas. A hegemonia, que começou a quebrar com o aumento de competitividade do grande rival (em grande medida, também, com a chegada de Jorge Jesus), desvaneceu-se de vez desde 2013. Numa conjugação inacreditável de péssimas decisões e de más reações a elas mesmas, o FC Porto dá a ideia de estar à “deriva” e sem solução viável. Apesar de tudo, se há algo que Pinto da Costa foi capaz de comprovar no decorrer de todas estas campanhas é que consegue ultrapassar as dificuldades que surgem, com uma resiliência imparável. Para uma época desafiante (nunca esteve mais de três temporadas sem ganhar nada), aguarda-se uma resposta à altura dos acontecimentos, que volte a orgulhar o passado do clube. Se encontrar um treinador adequado é essencial, formar um grupo unido, focado nos objetivos coletivos, não o é menos e, havendo talentos identificados com a instituição como Rúben Neves e André Silva, seria um erro grotesco não os aproveitar.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): António Hess

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