A Queda (?) da Máquina

O Real Madrid anda pelas ruas da amargura. Para além da humilhante derrota por 4-0 frente ao grande rival Barcelona, a equipa madrilena teima em praticar um futebol paupérrimo, sem ideias, aborrecido. Muitos apontam o dedo a Rafa Benítez, treinador cuja contratação foi vista com desconfiança desde o início - e com razão, diga-se. Contudo, também não falta quem veja Ronaldo como o principal culpado por este momento dos blancos. Se, por um lado, se compreende esse ponto de vista - já que é normal esperar muito mais do atual Bola de Ouro -, por outro, as críticas que têm sido feitas ao português são, em muitos casos, manifestamente exageradas e até desajustadas.

Sim, este é um texto de 'defesa' a Ronaldo. Não, não foi escrito por um 'fanboy' (termo cada vez mais displicentemente usado).

Comece-se por alguns pontos prévios, que podem muito bem ser tidos como factos.
1) Objetivamente, Ronaldo é pior jogador do que Messi. Não há como negar, nem deveria haver nenhum problema em admiti-lo. Obviamente, isto não invalida que o avançado do Real Madrid tenha realizado épocas superiores às do argentino, nem que tenha havido momentos em que tenha apresentado um rendimento superior ao Nº 10 do Barcelona, nem que se destaque mais em determinados aspetos do jogo.
2) A nível coletivo, Ronaldo conquistou, até ao momento, muito pouco pelo Real Madrid. A avaliação global da sua estadia em Madrid é claramente insuficiente no que a títulos diz respeito.
3) Neste momento, há, talvez, uma dezena de jogadores em melhor forma do que CR7, com Neymar e Suárez à cabeça. É, até, plausível considerar que o pódio da próxima Bola de Ouro devesse ser ocupado pelo trio maravilha da Catalunha.
4) De há uns meses para cá, Ronaldo deixou de ser o jogador mais influente no Real Madrid. Benzema, Modric e James, no geral, têm oferecido muito mais à equipa do que o português.
5) Ronaldo aparenta ser arrogante e egocêntrico, dois defeitos (ou simplesmente características) que não são bem aceites pela grande generalidade das pessoas.

Posto isto, passe-se, então, à já anunciada defesa do madeirense.

A) Apesar da veracidade dos 5 pontos expostos acima, tem claramente havido um exagero nas críticas apontadas a Ronaldo. Não só no teor das mesmas, como também na própria quantidade e frequência. De repente - e fazendo alusão a um termo utilizado pelo próprio Cristiano -, as críticas começaram a surgir 'como o ketchup'. São infindáveis, implacáveis e definitivas - isto é visível, por exemplo, neste mesmo blog (mas não só, evidentemente). Não é preciso procurar muito para encontrar alguém que diga (ou escreva) que "Ronaldo já não tem lugar em nenhuma equipa europeia de topo", ou que "Ronaldo está acabado, e vale zero neste momento", ou até que "Ronaldo, atualmente, nem nos 100 melhores do Mundo está". Os próprios assobios que CR7 tem ouvido no Santiago Bernabéu demonstram o tratamento injusto de que tem sido vítima.

B) Mesmo se Ronaldo acabasse a carreira hoje, já a terminaria como um dos jogadores mais conceituados da história deste desporto. Ter-se-ão as pessoas esquecido dos títulos já conquistados (3 Ligas Inglesas, 1 Liga Espanhola, 1 Taça do Rei, 1 Taça de Inglaterra, 3 Taças da Liga Inglesa, 1 Supertaça Inglesa, 1 Supertaça Espanhola, 2 Ligas dos Campeões, 1 Supertaça Europeia e 2 Ligas Mundiais de Clubes)? Ter-se-ão esquecido das proezas individuais já conseguidas, ao alcance de tão poucos (3 Bolas de Ouro, 4 Botas de Ouro, 9 presenças na Equipa da UEFA, 2 títulos de melhor jogador de Premier League, 1 título de melhor jogador da La Liga, 4 títulos de melhor marcador da Liga dos Campeões, 1 título de melhor jogador da UEFA, ...)?

(Por esta altura, muitos estarão a fazer contas aos títulos e recordes de Lionel Messi. Por favor, parem. São mais e melhores, provavelmente. Não é esse o objetivo deste texto. Esse está em mostrar que, na tentativa de tentar fazer ver o óbvio a muita gente - leia-se, que Messi é melhor jogador -, tem existido um certo desrespeito e desvalorização relativamente a tudo o que Ronaldo já conseguiu. E não, não estou a dizer isto por ele ser português; como a muitos de vocês, a nacionalidade de um jogador de futebol, quando toca à análise objetiva da sua qualidade, não me diz muito.)

C) É também importante fazer ver que Ronaldo conseguiu aquilo que é impossível para muitos: apresentou duas versões como jogador, ambas fenomenais à sua maneira. Uma em Manchester, onde foi um fantasista, um exímio marcador de livres, um extremo imprevisível (tendo ganho tudo o que havia para ganhar, tornando-se no maior destaque da Premier League na altura); outra em Madrid, onde foi (é?) um dos maiores finalizadores da história, um génio das desmarcações e movimentações na grande-área adversária, à procura daquele que, no fundo, é o objetivo central do futebol - o golo. De facto, foi em Madrid que se tornou no melhor marcador de sempre da Liga dos Campeões (e das competições europeias, em geral), tendo escalado ainda ao topo dos goleadores da equipa madrilena à custa de uma média superior a um golo por jogo. Em jeito de conclusão deste ponto, refira-se que CR7 foi o primeiro e único jogador a conseguir conquistar os títulos coletivos e individuais já referidos por dois clubes diferentes (e de ligas distintas, acrescente-se).

D) É no âmbito do ponto anterior que se verificam muitos exageros, como o de que Ronaldo só marca de penalty (dos 329 golos que apontou no Real, 61 foram da marca de grande penalidade; ou seja, mesmo que esses fossem subtraídos, Cristiano continuaria a ser o 5.º melhor marcador da História do clube espanhol, à frente de Puskas e Hugo Sánchez, por exemplo), ou que só marca 'golos de encostar' (algo que, mesmo que fosse verdade - e não é -, não deixaria de ter o seu próprio mérito), ou que não assiste (na verdade, tem 88 assistências pelo clube), ou ainda que os golos só surgem contra equipas ditas 'pequenas' (os 15 golos que já apontou ao Barcelona deveriam ser suficientes para dissipar esse mito). Para além disso, a frase "Ronaldo só marca golos, mais nada", não só é falaciosa, como ainda inferioriza e banaliza os 507 golos em partidas oficiais séniores que Ronaldo apontou na carreira (provavelmente, chegam os dedos das mãos para contar o número de jogadores que alcançou esse registo ao mais alto nível).

E) Outro ponto que tem distinguido Ronaldo da grande maioria dos jogadores (leia-se, à exceção de Messi, de praticamente todos os outros) é a regularidade das suas performances (com a óbvia exceção da presente época). Desde que o futebol conquistou o seu lugar como desporto-rei, surgiram já vários 'génios da bola', muitos deles tão bons ou melhores futebolistas do que Ronaldo (e até do que Messi, porventura). Contudo, é inegável de que esta permanência no topo do futebol mundial há cerca de 10 anos por parte do português é praticamente única; mais uma vez, Messi é, presumivelmente, o único que o acompanha neste aspeto. A maior parte das grandes estrelas do futebol poderá gabar-se de duas, três, quiçá quatro épocas a um nível 'estratosférico' - mas não das 8 ou 9 que Cristiano já leva. Não me refiro a títulos coletivos, obviamente, mas sim, simplesmente, à performance individual do jogador. Novamente, muitos cairão na falácia de dizer que Ronaldo "é só golos"; porém, convém mencionar que, mesmo que tal fosse verdade, são já 5 as épocas consecutivas com mais de 50 golos apontados (60 e 61, em duas delas). Ou seja, o "só" está tremendamente mal aplicado.

(Por esta altura, é conveniente admitir - mais uma vez - que a presente época do jogador de Real Madrid está longe de estar ao nível do das anteriores. Uma das várias justificações válidas possíveis está na sua idade: Ronaldo tem já 30 anos, quase 31. Sim, são inúmeros os exemplos de jogadores tão ou mais velhos do que o português que mantêm exibições de fazer inveja a muitos jovens. Mas o envelhecimento afeta toda a gente de formas diferentes, e até em alturas distintas.)

F) A nível desportivo, resta falar do desempenho de Cristiano na Seleção Nacional, que - pasme-se - é igualmente menosprezado e negativamente criticado por muitos. Para além das estatísticas individuais (tão odiadas por tanta gente, ultimamente) - Ronaldo é já o melhor marcador da História da equipa nacional, com 55 golos, e prepara-se para se tornar no jogador com mais internacionalizações, suplantando Luís Figo -, é importante frisar que o período do madeirense na Seleção tem coincidido com as melhores prestações de sempre em competições internacionais por parte de Portugal. De facto, o EURO 2016 será a nona grande competição consecutiva em que marcamos presença (7 delas com Ronaldo nos 23 convocados). Adicionalmente, no espaço de 10 anos, com Ronaldo na 'equipa das quinas', conquistámos melhores resultados (no geral) do que em toda a História da nossa Seleção, tendo alcançado o 2º lugar no Euro 2004, o 4.º lugar no Mundial 2006 e as meias-finais do EURO 2012 (mais os quartos-de-final no EURO 2008 e os oitavos-de-final no Mundial 2010, feitos menores mas merecedores de uma referência). É também importante não esquecer que o madeirense marcou em todas as grandes competições em que participou (tendo até sido um dos melhores marcadores do EURO 2012), sendo, inclusivamente, neste momento, o melhor marcador de sempre em jogos oficiais de seleções da UEFA (fases de qualificação + fases finais), com 26 golos.

(Posto tudo isto, torna-se complicado entender a dificuldade que existe em ver Ronaldo como o melhor jogador português de todos os tempos. Figo e Eusébio já foram suplantados, admita-se.)

G) Finalmente, aborde-se ainda a temática da personalidade de CR7. O primeiro ponto que quero focar neste âmbito prende-se com o seguinte: por muito bem que alguém ache que conhece Ronaldo - pelas suas atitudes dentro e fora de campo -, isso não corresponde à verdade. Só quem convive com o português frequentemente é que sabe como ele realmente é. Segundo ponto: mesmo que Ronaldo seja tão arrogante e egocêntrico quanto parece, é inegável que a reacção a esses eventuais defeitos é tremendamente exagerada. São apenas defeitos, características (talvez menos boas) da sua personalidade, que estão longe de o condenar como pessoa, como muitos comentários acerca do assunto fazem querer parecer. Além disso, quando se está a falar de futebol (e apenas de futebol), estas questões relativas a tratos pessoais de um jogador nem deveriam ser tidas em conta.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): António Pereira

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