Pequenas decisões podem fazer grandes diferenças

Começou a temporada, começaram as queixas sobre a arbitragem. Foras de jogo que passam em claro, grandes penalidades por marcar, golos com a mão, falta de critério disciplinar ou conivência com anti-jogo, são alguns dos ingredientes desta discussão recorrente ano após ano. O Sporting cedo emergiu como cliente número um do muro das lamentações, ainda mais porque as suas queixas assumem proporções não bíblicas, mas pelo menos internacionais. As arbitragens do duplo confronto com os russos do CSKA deixou marcas, não só morais (dado o passado dos dois emblemas), mas principalmente materiais. E não obstante a legitimidade das queixas, o facto é que aconteceram jogadas estranhas, sendo que numa um defesa russo cortou uma bola com a mão em pleno vôo, nas barbas do árbitro de baliza (parece claro que anatomia deve passar a ser disciplina obrigatória da sua formação), e noutra um golo foi anulado devido a uma bola que terá saído de campo, sem que fosse possível aferir da justeza da decisão. Ora, e até como se está a falar de uma competição onde estão envolvidas verbas significativas, o treinador do Sporting queixou-se, o presidente estrebuchou, insultou e acusou, montou-se o circo do costume. Conclusão? Nenhuma. Mas nem tudo foi mau, pois no meio do turbilhão regressou à baila a questão das tecnologias como meio auxiliar dos árbitros. E aqui entra um parêntesis: não deixa de ser interessante que a comunicação social, que acusa os dirigentes de contribuir para o mau ambiente no futebol com as suas constantes diatribes, dê mais ênfase aos refilanços facebookianos do que propriamente a estes aspectos mais construtivos. Mas adiante, no meio de todos os lamentos, o Sporting reforça a necessidade de implementar mecanismos tecnológicos que ajudem o árbitro, e a transparência das suas decisões. Claro que o dito videoárbitro foi de imediato desvalorizado pelo país do futebol, e a postura do Presidente do Sporting (quiçá, se a ideia fosse lançado por outro que não o Trauliteiro de Carvalho, até era coisa para fazer grandes parangonas e desencadear discursos elogiosos) até chegou a ser enxovalhada por alguns dos mensageiros de serviço. Ao não discutir méritos ou defeitos, preferindo antes denegrir e ridicularizar, só se pode concluir que um certo grupo de pessoas está satisfeito com o status quo, não vendo razão para mudar. E aqui é pertinente referir que esta aversão à mudança não é exclusivo nacional. Porém, e para além de Bruno de Carvalho, não apareceu ainda qualquer dirigente de peso a discutir seriamente esta questão, qualquer que seja a sua posição, sendo que a táctica adoptada é a do silêncio até que o assunto morra por si, ou seja engolido pela gritaria que envolve a arbitragem. O que não faz sentido é o porquê dos dirigentes, nacionais ou internacionais, se sentirem confortáveis com o facto da arbitragem de um jogo continuar totalmente dependente da falibilidade do ser humano, quando existe tecnologia que reduz essa falibilidade. A tecnologia, que está presente diariamente na nossa vida, é criada em primeira instância para facilitar a vida do ser humano, e para reduzir a probabilidade do erro, o tal chamado "erro humano". Essa máxima não se aplica ao futebol, no entanto, ao contrário de outros desportos, em que a sua presença se encaixa como algo de natural. Por exemplo, faria sentido um Mundial de atletismo sem cronometragem electrónica, photo-finish ou partidas controladas electronicamente? Na NBA, o recurso ao vídeo em determinadas jogadas (lançamentos em cima do apito, por exemplo) foi a resposta a uma série de erros arbitrais que colocavam em causa a confiança dos adeptos na legitimidade da competição, e ninguém se chateou com isso, nem os jogos passaram a ser menos emotivos. O futebol, não obstante gerar e gerir milhões de euros, e de adeptos, passa ao lado do progresso. Não parece que dinheiro seja motivo para não investir nesta área, nem parece que os adeptos se sintam felizes com os pitorescos erros de arbitragem que, muitos defendem, trazem indispensável sal ao jogo. Era bom que todos os agentes esclarecessem as suas posições perante o assunto, justificando o porquê de serem contra ou a favor. Para que finalmente possamos responder claramente à pergunta de um milhão. Ou de quatorze. Quem não quer tecnologia na arbitragem, e porquê.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Nuno R.

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