Futebol por decreto

Videoton-Debrecen
Berna, 4 de Julho de 1954. Quando se ouviu o apito final no Wankdorf Stadium , os espectadores prostraram-se em silêncio, e uma multidão apaixonada pelo jogo, ficava estarrecida e muda perante os relatos que saiam das ondas sonoras. A Alemanha sagrava-se campeã do Mundo de futebol pela primeira vez na sua história, mas pelo caminho ficava uma Selecção que durante duas décadas fez crescer o entusiasmo pelo desporto rei, revolucionando-o, e elevando-o a uma arte plástica da maior beleza. A Hungria do génio Puskas, talvez a primeira entidade divina dos relvados, do terrível goleador Kocsis e dos craques Hidegkuti, Czibor e Lantos, era vergada no seu auge por uma Selecção a quem tinham cilindrado na fase de grupos por 8-3.

Esse jogo, marcou o início de duas novas eras, personificadas no poderio colectivo alemão e na figura dos homens do apito que podem desequilibrar ou neste caso equilibrar uma partida, mas também o fim da era do futebol total magiar.

61 anos mais tarde, a Hungria vive o seu pior momento futebolístico de sempre. A Selecção atravessa um marasmo de resultados, estando arredada das grandes competições desde o Mundial do México em 86, os seus clubes, outrora dignos representantes do poderio futebolístico húngaro, como o Honved, ou o Ferencvaros e mais próximo do imaginário português, o MTK que celebrizou o “cantinho do Morais”, são apenas elementos decorativos no futebol moderno europeu, e a sua Liga atingiu um mínimo histórico em termos de ranking da Uefa, ocupando agora a 31ª posição, atrás por exemplo da Liga Azeri.

O País, não vive igualmente melhores dias. Em paralelo com o resto da Europa, os húngaros vivem numa crise económica grave e o descontentamento popular é por demais evidente. O homem que governa o país, Viktor Orban, talvez o político menos democrata das várias democracias europeias, é conhecido pelo radicalismo das suas opiniões, mas também pela paixão intensa com que vive o futebol. Depois de ter regressado ao poder em 2010, o polémico Primeiro Ministro, anunciou um pacote ambicioso de medidas, com o único e simples propósito de fazer regressar os dias de glória do futebol húngaro. As medidas aplicadas passavam pelo financiamento estatal directo aos principais clubes, bem como pela quase total renovação dos estádios de futebol no país, quer via construção de novos recintos, quer através de melhoramentos nos actuais e pela aposta forte em várias academias de formação. A Hungria tem já hoje 3 estádios moderníssimos, como o Groupama Arena (Ferencvaros), o Nagyerdei Stadion (Debrecen), e a Pancho Arena (Puskas Akademia), onde recentemente Portugal jogou no Euro S19 e que tem como curiosidade ter sido construído num terreno anexo à casa do Primeiro Ministro. Além destes, nos próximos dois anos deverão estar construídos os novos recintos do Dyosgyor, do Videoton e do MTK, que será inaugurado com a presença do Sporting, na reedição da final da Taça das Taças de 64. Além disto, foi dado um livre trânsito aos privados, para investirem no futebol, e praticamente todos os grandes clubes húngaros, são detidos por magnatas nacionais ou internacionais, como no caso do Ujpest, detido pela família Duchatelet, os mesmos proprietários do Standard Liege e do Charlton.

Contudo, apesar de todo esse investimento, a qualidade da Liga Húngara tarda em crescer, apesar dos sinais positivos dados recentemente com a presença de um clube na fase de grupos da Champions, o Debrecen (acabaria contudo por somar derrotas em todos os seus jogos), e pela participação bastante meritória do Videoton de Paulo Sousa, na Liga Europa. A Liga em si, é competitiva mas nivelada por baixo, nas últimas 10 temporadas assistiu-se ao domínio do Debrecen que conquistou neste período todos os seus 7 títulos nacionais. O projecto iniciado pelo técnico checo Zdenek Scasny e continuado pelo actual treinador Elemer Kondas, é a equipa mais sólida do país, e conta nos seus quadros com os internacionais húngaros Korhut, lateral esquerdo forte na marcação e de boa vocação ofensiva, com a carraça Jozef Varga, com o excitante médio ala Adam Bódi e com o esloveno Mihelic que já passou pelo Nacional da Madeira. Os principais rivais são os dois maiores clubes do Pais. O Ferencvaros, que não vence o título há 11 anos, continua a ser o grande clube da Hungria quer em títulos conquistados, quer na massa adepta, mas tem tido nas últimas épocas o rótulo de eterno segundo. É também por isso mesmo, um dos grandes beneficiados pela política de investimento pública. Orientados pelo alemão Thomas Doll, os verdes têm ao seu dispor uma mescla de experiência como nos casos de Zoltan Gera, Tamas Hajnal e do brasileiro naturalizado Leandro Almeida, e de juventude com o guarda-redes Dibusz e o médio Dominik Nagy. Por último, o Videoton, o melhor exemplo da nova realidade do futebol húngaro. O clube do Primeiro Ministro Orban, mas também de toda uma elite económica, tem sido ano após ano, o melhor plantel da Hungria. Com presença assídua de portugueses nas suas fileiras, o Videoton perdeu esta época o melhor jogador da Liga Nemanja Nikolic, mas continua a contar com o português Filipe Oliveira, o ex-pacense Arturo Alvarez e com o poderoso central Roland Juhasz, todos orientados pelo melhor treinador da Liga na época passada, o espanhol Joan Carrillo, ex – adjunto de Paulo Sousa e de José Gomes.

Ainda com o apuramento em aberto para o Euro 2016, a Selecção Húngara já sabe que terá que medir forças novamente com Portugal no caminho para o Mundial da Rússia. O melhor jogador da equipa e capitão continua a ser Balasz Dszudszak, que com o seu pé esquerdo acima da média continua a semear o pânico nas defesas contrárias. Outros destaques são o novo reforço do Liverpool, o guarda-redes Adam Bógdan, o ponta de lança do Hoffenheim Adam Szalái e o já citado Nemanja Nikolic que depois de se ter naturalizado (nasceu na Sérvia) tem tido um aproveitamento acima da média quer em golos quer na qualidade do seu jogo. Já nessa fase de qualificação e à atenção de Portugal, poderão estar os dois maiores talentos jovens da Hungria, ambos jogadores da Puskas Akademia (clube satélite do Videoton). David Markvárt, médio todo o terreno, que pode igualmente jogar no ataque sobre uma das alas, jogador sempre muito rotativo, forte na recuperação e com muita chegada à área, e principalmente do jovem de apenas 18 anos, Rolland Sallai, um número 10 moderno, com uma visão de jogo acima da média e facilidade de remate com os dois pés.

Depois do sono profundo a que os magiares foram votados durante seis décadas, está a chegar a hora daquela que já foi a maior nação futebolística do mundo, se reerguer e voltar a apaixonar os aficionados, nem que para isso o futebol dentro das quatro linhas tenha que ser estimulado por decreto.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Flávio Trindade

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