Todos contra todos e no fim ganham os de sempre

Antes de mais, vamos aos números que suportam a tese de que a Liga dos Campeões é uma prova cada vez mais fechada a meia dúzia de clubes. Nas últimas 15 edições (as disputadas neste século), as 60 vagas disponíveis nas meias finais da competição foram preenchidas com apenas 21 clubes diferentes, sendo que desses, 12 o foram uma única vez. Ou seja, 9 clubes quase que monopolizam a fase decisiva da competição. Naturalmente, o grosso do bolo vai para Espanha e Inglaterra, seguidos de Alemanha e Itália. França (2), Portugal e Holanda foram os únicos países fora deste grupo a colocar equipas nas meias da competição. É verdade que o futebol vive de ciclos, e que no passado houve clubes (como o Real Madrid) que dominavam o panorama europeu, ou países (Itália é um exemplo) que funcionavam como autênticos monopolistas, mas o rumo que o futebol europeu tem seguido não indica que de um ciclo se trata, mas sim de um caminho sem retorno e que tem como destino uma realidade em que o maior título europeu de clubes é disputado exclusivamente por um pequeno grupo, remetendo todos o outros para um papel secundário. Real Madrid, Barcelona e Bayern partem, ano após ano, invariavelmente como únicos favoritos, e a lógica tem imperado sobre a imprevisibilidade do futebol. O desnível de forças é tão grande, que poucos acreditam em surpresas, e com razão. Claro que sempre aparece um Atlético de Madrid, que faz das fraquezas forças, ou uma Juventus que aproveita um sorteio mais favorável, mas tal como o Porto de 2004 não passam de excepções que confirmam a regra. A concentração de forças num lote restrito de equipas, fruto do acentuado desnível entre ricos e remediados e de um mercado desregulado, que permite açambarcamento descontrolado de jogadores, é a principal causa deste fenómeno. Os melhores jogadores do Mundo, anteriormente espalhados pelas mais diversas paragens, aglomeram-se em meia dúzia de locais, formando autênticas constelações de estrelas. As equipas mais poderosa, não só vão ficando mais fortes, como ainda conseguem enfraquecer os rivais directos, como acontece na Alemanha, onde o Bayern domina a seu belo-prazer aproveitando ainda para atropelar adversários como o Dortmund. Em Espanha, Real e Barcelona, cavaram distância confortável para todos os outros, muito por causa do dinheiro ganho na LC (em si mesma um instrumento que permite aos seus participantes ganharem vantagem competitiva, devido aos elevados prémios financeiros) e da fatia do bolo televisivo, cada vez mais generosa. Os únicos que podem fazer frente a estes colossos são os projectos pessoais dos profissionais do FM, como Chelsea ou City, mas mesmo com a chegada destes, na frente inglesa ou italiana, é duvidoso que a Liga dos Campeões se volte a democratizar. Claro que também existem os fundos, esse instrumento que permite aos mais fracos competir com os mais fortes, mas na realidade estes são a essência do mercado monopolista, pois têm como único objectivo a valorização de activos, de modo a que estes possam ser transferidos para os tais colossos. Em última análise, os bondosos fundos também ajudam a que, no fim do dia, os maiores fiquem com os melhores, e os outros comecem o processo desde o início. Mas qual o problema afinal? Grandes equipas, grandes jogadores, grandes jogos. Todos ficam a ganhar. A pergunta deveria ser outra: quantos Real Madrid-Barcelona iremos aguentar até ao ponto do grande clássico espanhol se banalizar? Jogando sempre os mesmos, vencendo sempre os mesmos, os adeptos chegarão a um ponto de exaustão, momento no qual irão pedir algo de novo. É muito divertido ver o nosso clube favorito vencer, mas a certa altura a previsibilidade do desfecho final irá matar aquele sentimento que faz o adepto dirigir-se ao estádio ou colar-se à televisão. A desigualdade a certa altura irá tomar contornos de injustiça, e se há qualidade que o futebol tem, é a de dar as mesmas chances a todos, altos ou baixos, ricos ou pobres. O futebol é o campo onde, ao contrário da vida real, dois oponentes entram, se não em pé de igualdade, pelo menos com legítima aspiração de poder vencer. São este tipo de sentimentos irracionais, que muitas vezem nem correspondem à realidade, que atraem tanta gente, e que no fundo alimentam o negócio. Negócio esse que, na sua ânsia por mais e mais, pode perfeitamente estar a dirigir-se para um inevitável processo de auto-destruição, qual criatura autofágica. As lutas de titãs que actualmente presenciamos mobilizam milhões (de pessoas e dólares), mas tiraram espaço à pobre Cinderela para que esta possa contar a sua história. E se os almanaques do futebol se fazem dos grandes, também não se completam sem aqueles que, contra todas as previsões, alcançaram o sucesso. Mas hoje em dia não há espaço para pequenas caravelas que se aventuram corajosamente mar afora, pois estas rapidamente são afundadas pelos porta-aviões que encontram pela frente.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Nuno Ranito

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