Teoria da regressão

Chegou a Portugal em 2011, mais concretamente ao Sporting CP, e cedo se percebeu que poderia vir a assumir um papel importante, ou mesmo central, na equipa portuguesa. Numa altura em que ser espanhol era ser melhor jogador, a aterragem em Portugal causou alguma apreensão e curiosidade em relação ao negócio, ou não estaríamos nós mediante a aquisição de um internacional espanhol de apenas 23 anos.

Porém, numa panela onde se cozinhou um dos maiores investimentos da história do Sporting CP, o protagonismo não foi exclusivamente direcionado para Diego Capel até porque a caldeirada, naquele ano, foi especialmente rica em diversidade com ingredientes gourmet de origens várias e para todos os gostos. Senão vejamos: Brasil, EUA, Perú, Colômbia, França, Holanda, Rússia, Espanha, Chile, Argentina, Uruguai, Bulgária e ... Portugal foram as nações representadas na equipa de 2011/2012. Se se tentasse dar uma oportunidade no onze a todas as nacionalidades, não se conseguia - as posições não chegavam. A não ser que os árbitros não se importassem de ceder os seus lugares.

Não se adivinhava, portanto, tarefa fácil, a de se assumir como protagonista do plantel, para o extremo andaluz. No entanto, começou bem e gradualmente provou que as esperanças depositadas nele faziam algum sentido. Muita velocidade, de processos simples, tenaz, de drible curto e com uma apetência invulgar para fazer de qualquer bola um cruzamento perigoso, rapidamente se tornou alvo de discursos encomiásticos e comparações sucessivas com Paulo Futre. Era o jogador que levava adeptos ao estádio.

Ora, se é verdade que a novidade suscita curiosidade, não é menos verdade que a repetição dá lugar a desinteresse e previsibilidade. As cavalgadas desenfreadas pelo flanco esquerdo a la Futre, que invariavelmente culminavam em cruzamentos para o coração da área, rapidamente se tornaram previsíveis e facilmente anuláveis pelos adversários. Por alguma razão não referi a versatilidade como uma virtude de Capel e, para mim, de forma algo incompreensível, o espanhol "adaptou-se" à nova realidade desenvolvendo uma afinidade singular e avulsa para processos que complicam e dificultam o seu próprio estilo de jogo. A verticalidade vertiginosa deu lugar ao "movimento carrossel" que o atleta parece nos últimos tempos privilegiar, fixando um ponto do relvado e tentando percorrer o maior número de metros possível, mas sempre mantendo a mesma distância para esse ponto, esperando que, solidariamente, o adversário lhe toque para ele poder cair e ganhar a falta. Diego Capel faz assim, hoje mais do que nunca, jus ao seu epíteto de torero.

O ex-Sevilha não fica, porém, por aqui, na sua "evolução adaptativa" à nova realidade. Para além de menos cabelo (facilita o movimento circular), acabou por acentuar a cifose de que já era alvo nos tempos do Sevilha e, com isso, optou por começar a apreciar com mais atenção as maravilhas do relvado dos campos de futebol. Hoje em dia, Diego Capel não se preocupa com o que se passa à sua volta e, num comportamento próximo do autista, quando tem a bola, acaba por fixar os olhos no chão e desatar a correr em círculos; quando não tem a bola, opta por se manter no seu cantinho, bem junto à linha lateral, escondido. Os últimos jogos têm sido corolário deste comportamento, particularmente, o último encontro com o Chelsea, em Stamford Bridge.

É verdade que os momentos de uma equipa se sobrepõem, em geral, aos momentos de um jogador e, obviamente, o estilo de jogo e a qualidade dos colegas que o acompanham, definem muito do que um jogador pode oferecer a uma equipa. Ora, Capel até nisso é único e mostra-se claramente transversal e independente destes fatores. Acrescenta pouco, ou nada, e oferece sempre o mesmo à equipa, independentemente das suas necessidades circunstanciais.

Como darwinista que sou, custa-me ver alguém a contrariar tão frontalmente os ensinamentos evolucionistas e constatar que é possível, pelo menos numa equipa como o Sporting, um ser-vivo prosperar em detrimento de outros que por ali passaram e já lá não habitam (Jeffrén, Izmailov, Yannick Djaló, Labyad, Viola, Bruma...), mesmo que as suas metamorfoses psico-técnico-tático-fisionómicas lhe tenham conferido menor capacidade de adaptação à nova realidade.

E se achavam impossível um jogador de futebol juntar, num mesmo texto, Darwin, touradas, autismo e caldeiradas, aqui está a prova em contrário. A teoria da regressão pode ainda vir a tornar-se um conceito importante no desenvolvimento dos jogadores de futebol!

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Luis Aguiar

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