Liverpool campeão, uma chapada no futebol moderno

Merseyside e Lancashire são regiões vizinhas. A M6, mesmo que a mais longa motorway da Ilha, liga Liverpool e Blackburn em cerca de uma hora. Mas, mais que a M6, há algo que deixa Liverpool e Blackburn mais próximos. Este ano, mais do que nunca. Os seus clubes de futebol. Liverpool, 14 de Maio de 1995. O Blackburn Rovers perde em Anfield. O golo de Shearer iguala os 34 golos de Andy Cole, da época de 1994, o máximo da Premier League. Mas não parecia ser suficiente. O United tinha partido para a jornada a dois pontos dos Rovers e a ameaça de um sonho reduzido a pedaços era real. Mas os contos de fadas têm destas coisas. O United não vai além do empate frente ao West Ham e o Blackburn Rovers era, 81 anos volvidos, novamente campeão inglês. Palco de tantas outras conquistas para Dalglish, foi em Anfield que se tornou vencedor da Premier League, enquanto treinador, depois de três títulos da extinta First Division. Uma equipa que tinha Shearer e Sutton que marcaram 49 dos 80 golos da equipa. Uma equipa capitaneada por Tim Sherwood e que não precisava de Zidane, por consequência. Com Wilcox, com Le Saux, com Flowers, com Colin Hendry.

Os tempos eram outros e este pareceu, até este ano, ser o capítulo final de uma época na História do Desporto que não se viria a repetir. Uma época em que qualquer clube podia ser campeão, uma época em que o dinheiro não era necessariamente a lei e a História comprava mais campeonatos que ele próprio. Uma época em que um treinador resgata uma equipa dos fundos da segunda divisão para a fazer campeã nacional. Uma época de Shankly, de Clough, de Dalglish. Dalglish pegou, neste mesmo Blackburn, na segunda divisão e fê-la campeã. Uma equipa que gastou menos que o United, que o Liverpool, que o Newcastle. Uma equipa que não precisou comprar um campeonato, conquistou-o. Com golos, quase sempre mais que o adversário.

Abril, 2014. Campeões, ou não, esta é já uma história digna de ser recontada para a eternidade. 25 anos depois de Hillsborough. 24 depois de Alan Hansen. Na época dos milionários, dos sugar-daddys, de Abramovich e dos incontáveis Sheiks, o Liverpool pode ser campeão. O que a (des)evolução faz. Um dos clubes mais titulados do Mundo, com maior identidade, com mais História, tornou-se um underdog. Os Britânicos? Não só são inaptos para a modalidade, como limitados na direcção dos clubes. Não importa Sir Alex, não importa Rodgers. No plantel? Seis leões. Johnson, Flanagan, Gerrard, Henderson, Sterling, Sturridge. Fora Allen e Kelly. Sobre-avaliados, produtos de imprensa, frutos de uma formação que não existe. Tempos de um futebol que importa sofrer menos que o adversário, que ter mais dinheiro, gastar mais dinheiro, parece ser a chave do sucesso. A História é relegada para o porão. Não. 2014 contraria o futebol moderno. O Liverpool contraria o futebol moderno. O Atlético, porque não, contraria o futebol moderno. Bastiões da antiguidade. Um capitão que parece saído de outra Era. Mais golos sofridos que o 13º classificado. Golos marcados como raramente se vê. Com uma dupla de avançados como já não se vê. Do humilhante 7º ao topo do Futebol mundial. Uma vitória para o futebol mundial.

Rodgers não pegou num Liverpool de segunda divisão, certo. Mas, nos tempos que correm, os seus feitos surgem igualmente heróicos. Falar deste Liverpool, é escrever um novo capítulo do futebol. É dar coração aos românticos, é esbofetear o futebol moderno. É trazer a raça, a ambição, a história, a identidade, a personalidade, para o topo. É afundar os petro-gasodolares. É ter um treinador a cantar o hino do clube em momentos de grande intensidade emocional. É ter o Kop repleto de bandeiras, tarjas, iconografia histórica, ressuscitando deuses e semi-deuses do passado. É ressuscitar a identidade britânica como mestre do futebol. Ganhou o futebol. Ganhámos nós.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar no VM aqui!): João Pedro Cordeiro

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