Visão do Leitor: O Quase é para Meninos

Enquanto assistimos ao pôr-do-sol de mais uma época futebolística, facilmente denotamos, pelo menos nos que aos grandes técnicos portugueses diz respeito, que a noite se aproxima rapidamente. Sombria e nublada. Noites mais claras, com um céu pintado de luz lunar, talvez, certamente, lhes esperarão no futuro. Mas não esta. Esta é escura. Clarificando esta definição de 'grandes técnicos portugueses', refiro-me aos três treinadores lusos que são, tradicionalmente e consensualmente, considerados pelos experts e pela comunicação social como os melhores técnicos nacionais da actualidade e que logram pertencer à elite dos 'misters' do futebol mundial.

André Villas-Boas. Depois duma época falhada no Chelsea, regressou à ribalta como treinador do Tottenham. Ou talvez de Gareth Bale, as definições entrelaçam-se. Fez uma época bastante boa, marcada por uma histórica vitória em Old Trafford e pela explosão de um jogador galês que poderá, quiçá, vir a ser dos melhores do mundo num futuro não muito longínquo. Estabeleceu um novo recorde de pontos para os Spurs na Premier League, mas acabou por ficar em quinto lugar, atrás da quarta posição alcançada por Harry Redknapp no ano transato. Lutou contra um Chelsea muito mais regular internamente do que aquele que fora o seu, tem de ser dito, mas o que a história recordará é que ficou a um ponto de alcançar a tão desejada Liga dos Campeões. Quase.

Jorge Jesus. 'Esta poderá ser a época perfeita', alguns diziam. Até o Marquês de Pombal, falecido há mais de duzentos anos, parecia convencido disso, aparentemente. Com Jesus ao leme, o Benfica jogou um futebol entusiasmante e ofensivo, onde movimentações ofensivas bem coordenadas se aliavam à genialidade de Nico Gaitan, ao trabalho de Lima e Sálvio e ao instinto matador de Óscar Cardozo. Matic e Enzo transcenderam-se futebolisticamente e nos "Andrés" tivemos duas agradáveis surpresas, sem dúvida potenciadas pelo treinador. Tudo parecia bem encaminhado. Parecia, devo reforçar. No final de contas, o singelo Estoril acabou por ter uma forte palavra a dizer, e tanto campeonato como Liga Europa se desvaneceram, nos descontos da amargura, bem como a Taça de Portugal, perante o Vit. Guimarães. Quase, quase.

José Mourinho. Foi definitivamente uma época para esquecer para o treinador português. Com o campeonato hipotecado pelo Natal, a tão desejada "décima" era o único artefacto que poderia salvar a época madrilena. Mas como a história tanta vezes nos provou ao longo dos séculos, vencer os inimigos externos é tarefa hercúlea se as batalhas que mais nos desgastam são as caseiras. Desde a batalha contra o "semi-deus" espanhol Iker Casillas, até à constante guerra de trincheiras contra a comunicação social, Mourinho acabou por se autodestruir internamente. A já extremamente condensada atmosfera acabou por mesmo por implodir, numa humilhante derrota contra o arqui-rival madrileno no Santiago Bernabéu, na final da Taça do Rei. Para a história, ou devo dizer, para as estatísticas, fica uma equipa montada pelo Special One que foi não só capaz de fazer frente ao todo-poderoso Barcelona, como também alcançou três meias finais consecutivas da Champions League. Um registo há muito inédito nos merengues, mas que se perderá, juntamente com tantas e tantas outras estatísticas. Quase, quase, quase.

No final de contas, e sendo certo que ninguém se recordará deste texto depois de amanhã, será que alguém alguma uma vez o mencionaria se eu quase o tivesse escrito? Naturalmente, não. De qualquer modo, se calhar devia mesmo ter ido dormir, já que a noite, essa já estava assente de pedra e cal lá fora. Mas felizmente já sou grande, e apeteceu-me ficar a escrever. Porque o quase, o quase é para meninos.

Visão do Leitor: Miguel Burbach Trêpa

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