Come on You Lions: O clube que Lerner não quer ser

Roterdão, Maio de 82. Passam cerca de 25 minutos das nove da noite. O capitão Mortimer recupera a bola e lança o contra-ataque. Güttler é ultrapassado e, na sua cabeça, a premonição deve ser negra. Ou branca, que assim são as vestes dos ingleses. A cerca de 600Km, em Birmingham, cervejas são entornadas. Mortimer toca para Williams, Williams desmarca Tony Morley. Morley serpenteia e Hans Weiner perde os rins algures pela relva da Banheira. Peter Withe está ali. Só tem de tocar. Encosta e faz golo. Aos 67 minutos o Aston Villa atinge o ponto mais alto da sua história: desenha-se o título europeu. O Birmingham Mail chama-lhes os Reis da Europa. Quem haveria de dizer… o Aston Villa, campeão inglês em título, é certo, campeão europeu. Pouco mais que quinze dias depois, a Guerra das Malvinas chega ao fim. O Reino Unido está em alta, por estes dias e, no futebol, onde são onze para onze, ainda não ganhava só a Alemanha.

Do outro lado do Atlântico, os Cleveland Browns continuam a debater-se: aquele que foi o Franchise mais importante dos Anos 50, a década do rock & roll, falha os playoffs, numa reconstrução que parece não ter fim. Por esta altura, Al Lerner, ainda não devia ter em mente que, um dia, seria ele o dono deste pedaço de história desportiva. Muito menos o teria Randy Lerner. Afinal, Randy, nasceria apenas já no início dos anos 60. Onde, mesmo tornando-se um habitué das fases finais, dos playoffs, os Cleveland Browns continuam sem voltar a ser campeões. Muito menos o seria, o Aston Villa, do outro lado do Atlântico.

“Paolo, Paolo, what’s the score?” ouve-se, no Villa Park, em Birmingham. O jogo termina, Benteke marca três e o Aston Villa vence o Sunderland por 6 a 1. São quase dez da noite em Birmingham. Carruthers não está por aqui. Pelo menos, não na ficha de jogo. Ainda não é deste filme. Mas há algo que une Carruthers, mais a 1982, mais a Dennis Mortimer – o melhor inglês de sempre dos que nunca foram internacionais -, que qualquer outro. Também ele, capitão, já levantou uma taça europeia. Foi em Como contra o Chelsea, numa NextGen Series que, não sendo considerada como tal, funciona como a Champions dos juniores. Uma equipa com Carruthers, com Burke (melhor marcador da prova), com Grealish, com Robinson e com Webb e Donacien, os principais suportes de um ataque com um potencial que não acaba. Que o diga o Sporting, que por eles foi deixado para trás.

Não foi há muito tempo que os Villans lutavam pela Europa. Pelo acesso à Liga dos Campeões, até. Já Randy Lerner é dono do clube. Estamos em 2010, quando Martin O’Neill bate com a porta. Lerner insiste em ser uma âncora. Um fim que começou a tomar forma ainda na pré-epoca quando Gareth Barry, um histórico como Mortimer, como Withe, abandona o clube. O capitão abandona o barco. Um barco ancorado ao porto de Birmingham por Lerner. Um clube que acaba em 6º. Que tem Downing. Young. Milner. Agbonlahor. Davies. Petrov. Um clube que tem tudo o que um treinador, um jogador, um adepto, pode querer. Tem equipa. Tem escola. Tem dinheiro. Tem… história! Só não tem um presidente. Desde 2006 que não o tem. Um presidente que nunca deixou o clube dar o salto.

Se, na indubitabilidade do garante futuro que foram as contratações de Benteke (7 milhões de uma possível estrela de classe mundial), Lowton (3 milhões de competência e regularidade na lateral direita – Josh Webb, será a sua sombra), Bennett (4 milhões de um lateral de grande potencial que ataca melhor que aquilo que, bom, não defende) e Westwood (2 milhões de um médio área-área mais de cristal que de betão) há, a contrapor, uma outra, muito certa, verdade: esta é a equipa que gasta 2 milhões em El Ahmadi, quase 10 em N’Zogbia, 3 em Hutton e, ainda antes de tudo isto, mais de 20 em Bent. Que aposta em não jogadores como Holman. É a equipa que, pelos mesmos valores, e com um trabalho de prospecção de mercado como se faz em Portugal (onde somos vanguarda e imagine-se o que se faria com as receitas de publicidade, tv e estádio que a Premier League acarreta), poderia ter garantido Hulk, Witsel, Di Maria, Álvaro Pereira…Falcao! E sobrava. Muito. É a equipa que deixa, por exemplo, fugir um dos laterais mais promissores do futebol inglês como Nathan Clyne. Mas esta é a equipa de Lerner. Uma equipa que, decidiu, luta para não descer.

Pouco empreendedor, para um businessman como Lerner, que sempre falhou: os Browns continuam uma anedota, mais que nunca e, para o abismo, para os anos 60, altura em que nasceu, parece querer carregar o Aston Villa.

Com Grealish (um número 10 à antiga), Donacien (central atlético), Webb (lateral consistente de grande maturidade), Carruthers (um 8 mais atacante que defensivo, estilo João Moutinho), Burke (segundo avançado, móvel e técnico), Graham (extremo à antiga) e Robinson (a grande estrela, futuro brilhante, seja nas alas seja no centro da área), um dia, dificilmente o Villa voltará a estar, à 36ª jornada, a lutar para não descer. É só Lerner querer. Um dia, em que o Villa Park irá cantar impropérios no The Second City, irá aplaudir o capitão Stan ao minuto 19 e, no campo, estará uma equipa de grande futuro. Uma equipa que juntará Grealish, Donacien, Webb, Carruthers, Burke, Robinson, Benteke, Vlaar, Baker, Clark, Lowton, Westwood, Delph, Bannan, Gardner, Bennett. E outros que a grande academia de Bodymoor Heath continuará a formar.

É só Lerner querer e, aí, garanto-vos, não será só o Sunderland a chorar. Prepared.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar no VM aqui!): João Pedro Cordeiro

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